Finalmente os dias haviam melhorado, tudo estava com mais cor… Não sei se isso se devia a chegada tardia da Primavera, já em meados de Abril, ou ao facto de estar de volta ao sítio onde tudo na minha vida tinha começado. Amesterdão fora o inicio e seria o final da minha vida. Ao menos queria acreditar que assim seria, que mesmo que viajasse para longe e fizesse a minha carreira noutro lugar iria voltar, no leito da minha velhice para mais uma vez ver as túlipas a desabrocharem junto aqueles moinhos tão serenos. Passaram dois anos desde que tinha partido para Nova York, exactamente dois anos, nem mais nem menos… Fiz um mestrado na minha área de design e estava só à espera da minha oportunidade para iniciar a minha carreira. Continuei a minha caminhada pela beira do rio, as árvores eram as mesmas, as casas eram as mesmas… as pessoas eram tão diferentes, nem uma cara conhecida no meio daquela multidão apressada num compasso irritantemente alegre. Naquela altura em que estava de volta ao sítio que detinha toda a minha alma nada me impediria de ser feliz…
*Piiiiiiiip… Piiiiiiiiiiip*
“Chegou à caixa de correio de…”
Apressei-me a desligar o telemóvel assim que este chegou ao voice mail… Ele já devia ter no mínimo cerca de sete chamadas minhas. Pus o telemóvel de parte e sentei-me no sofá mirando a cidade pela janela. Nunca me cansava de galar a paisagem com os olhos, devorava cada cor, cada sensação com uma tentadora malícia de desejo, procurando tirar partido de todos os meus sentidos e experiências. Naquele momento encontrava-me num pequeno apartamento no centro de Amesterdão, tinha apenas um quarto, uma cozinha, uma sala… Enfim, tudo o que eu precisava para ter uma vida dentro das minhas expectativas. Algo que a minha mãe não compreendeu, mas que para mim parecia bastante óbvio, era o meu desejo de independência após o estágio no estrangeiro, queria retomar a minha vida, ou melhor, começar uma vida nova, longe de problemas, onde me pudesse sentir realizada e feliz.
Peguei novamente no telemóvel e voltei a inevitavelmente marcar o número dele…
-Atende Jelle… - murmurei impaciente.
“Chegou à caixa de correio de… Jelle van Heck” – Estremeci ao ouvir o nome dele. “Deixe a sua mensagem a seguir ao sinal”
Fui apoderada pela indecisão… Deveria deixar mensagem ou não? -Olá Jelle… Sou eu, a Aaghie… Como não disseste mais nada eu fiquei preocupada! Liga-me assim que ouvires esta mensagem. Bem… Eu até já telefonei à Lori… Ela disse que tinha falado contigo…- fiz uma pausa enquanto raciocinava. – Andas a evitar-me Jelle? Desculpa a pergunta… Foi algo estúpido! Depois liga. Beijos! – desliguei o telemóvel. Odiava-me a mim mesma naquele preciso momento, não queria ter cedido daquela forma! Arrependi-me da mensagem de voz no segundo a seguir a ter desligado a chamada. Perguntava-me que iria ele pensar de mim depois de ouvir que até à Lori havia telefonado?! Levantei-me e percorri o chão de madeira envernizada da sala até à cozinha, algo estava bastante errado comigo, tão errado que parecia estar certo. Eu não tinha noção dos acontecimentos à minha volta por isso continuava feliz no meu mundo cor-de-rosa. Tirei do frigorifico uma sisuda garrafa de vinho verde, verti-o para um copo de pé alto e deambulei outra vez até à sala, caminhei até a janela e fiquei a fitar a paisagem. Encostei a anca à ombreira da janela rasgada até ao chão e por mais que tentasse não conseguia parar de pensar no Jelle, era como uma cicatriz na minha cabeça, uma memória vincada que teimava em permanecer pelo simples prazer de me atormentar. Dei mais um trago de vinho e comecei a questionar-me outra vez, de uma forma frustrada e derrotista, o porquê de ter falado sobre a Lori naquela mensagem. Aliás, a situação mais preocupante não era o facto de a ter mencionado, mas sim ter efectivamente falado com ela. Essas minhas acções precipitadas deixavam-me ainda mais furiosa comigo mesma. Após ter acabado aquele copo de vinho, fui até à cozinha propositadamente para o encher outra vez…
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